20 de abril de 2024 - 02:47

Artigos

03/03/2020 12:23

EXPLICITUDE! por Luiz Renato Pinto

 

Recebi pelos correios, recentemente, um livro cuja ficha catalográfica acusa ser de literatura brasileira, de poesia. Penso que cada vez mais o gênero se indefine pela forma (apenas) o que me leva a lê-lo desconfiado de suas (pretensas) intenções. “Contrarresiliente” é (de acordo com indicações da segunda orelha) o quinto livro solo de Zeh Gustavo, multiartista que se divide entre o Riode Janeiro e Cuiabá. Creio que as experiências de vida, nas quais se incluem todas as artísticas do autor, conduzem sua arte-objeto pelo caminho que transpõe mais do que ideologias que o texto possa traduzir. Posicionamentos políticos que se inferem da escrita são apenas a ponta do iceberg, caminho mais curto para se equivocar quanto ao conteúdo que se veicula pela obra de arte.

O conceito por trás do título gera um estranhamento que vai de encontro (quero dizer que vai contra mesmo) à inércia que se observa na sociedade brasileira no momento atual. A pasmaceira generalizada que paralisa qualquer movimento que se oponha ao terraplanismo vulcânico é tocada de maneira violenta pelo vocabulário do poeta. Suas construções frásicas tornam indigesta a leitura para os que acham que está tudo bem. Não está!Gosto dos experimentos linguísticos, da aplicação dos processos de formação de palavras que salpicam todo o livro criando um colorido especial. Percebo movimentos sintáticos promovidos por uma única palavra que ampliam, ao mesmo tempo em que transformam, verbetes simplistas em movimentos que subvertem com criatividade a norma culta.

Zeh Gustavo parece, em alguns momentos, estar diante de um story-board, de um roteiro minimalista para um filme de animação, de uma HQ à espera de um super-herói para combater o vilãode plantão que se demora no caminho das pedras. A diagramação do livro contribui para essa confusão visual transformada em projeto, pois obra de arte; e que ele chama de poesia. Poemas que deixam transparecer conhecimentos de vanguarda, nos quais hiberna a magia de um Mário Chamie de maneira especial. Destaco à página 91 o poema XÓPI SENTE?como síntese do que mais me agradou na obra:

Rito: domingos e dezembros

- a vida é crediária cretina

 

o lazer está trancado

mas as lojas não fecham

 

porque tem muita gente

que não pode ficar solta lá fora.

 

REFERÊNCIA

GUSTAVO, Zeh. Contrarresiliente. Rio de Janeiro: CJT, 2019.

 


Telefone para contato

(65) 3358-5258

© copyright 2018 Todos os direitos reservados.