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Saúde

03/04/2020 23:04

Cuidar de Quem Cuida

 As homenagens aos profissionais da saúde em todo o mundo emocionam. É realmente um ato imenso de amor e solidariedade escolher uma profissão destinada a zelar pela vida de pessoas, especialmente em momentos como o que vivemos atualmente.  

O coronavírus (Covid-19) explicitou ao mundo a imprescindibilidade dos profissionais da saúde. Aliás, não só dos profissionais, mas do próprio acesso à saúde. O Sistema Único de Saúde (SUS) é uma pedra rara e muito cara, da qual o Brasil jamais poderá abrir mão. O SUS é mais valioso do que qualquer economia, pois é capaz de assegurar muito mais do que a sobrevivência. O SUS é capaz de garantir a própria existência.  

Apesar de toda essa importância, a necessidade de cuidar de quem cuida não é novidade para nós. Com a pandemia, a discussão sobre as condições de trabalho na saúde pública tomam proporções inéditas, pois a falta de equipamentos de segurança coloca os profissionais diariamente num dilema de vida e morte. No entanto, há anos os trabalhadores denunciam que, devido à retirada de recursos do setor, à falta de equipamentos, materiais e insumos básicos, não raro expõem suas próprias vidas a risco.  

Mas por que o Estado diz que não tem recursos e, por isso, não pode comprar máscaras, luvas e todo o equipamento de segurança do trabalho? Porque, mesmo neste contexto de catástrofe, o governo prioriza o pagamento de juros de uma suposta dívida pública a bancos, em detrimento das vidas de milhares de pessoas. 

Ano a ano, o Estado brasileiro gasta cerca de 50% dos recursos arrecadados por meio de impostos com juros bancários, enquanto pouco mais de 4% da outra parte arrecadada é destinada à saúde, e cerca de 3% a programas de assistência social - políticas que poderiam beneficiar trabalhadores de hospitais, postos de saúde, albergues e todos os serviços que também são importantes frente à pandemia. Concluímos, com isso, que a prioridade do governo brasileiro não tem sido a população, muito menos a vida daqueles que se arriscam para salvar outras vidas. Seu primeiro compromisso tem sido garantir lucros a banqueiros, uma postura genocida e criminosa contra o povo brasileiro. 

E mais: quem são esses trabalhadores expostos a tantos riscos? São, sobretudo, mulheres! 

A força de trabalho da Saúde no Brasil é, em sua maioria, formada por mulheres, e tem aumentado ano a ano. Aproximadamente 70% de toda a força de trabalho em Saúde no Brasil é feminina1. Em alguns locais, como hospitais, há unidades em que a proporção de mulheres trabalhando ultrapassa 80%, 90%.  

E quem são elas? São Enfermeiras, técnicas de enfermagem, médicas, psicólogas, fisioterapeutas, atendentes, assistentes sociais, educadoras, copeiras, trabalhadoras da limpeza e serviços gerais, agentes comunitárias de saúde. Geralmente, quanto maior o risco pela proximidade de contato com o adoentado, menor o salário. Nestas profissões também estão, em sua maioria, pessoas negras, sobretudo mulheres negras, o que só reafirma a postura elitista, machista e racista de nossa sociedade e, também, de nossos representantes, visivelmente interessados em dizimar os que trabalham para preservar os lucros de quem não trabalha. 

Em meio ao caos, imaginem o que acontecerá se essas profissionais adoecerem em massa? Como conseguiremos superar essa pandemia se o Estado brasileiro, de forma irresponsável, coloca em risco as vidas dessas mulheres trabalhadoras? 

Cabe a nós exigir que todas as condições para enfrentar essa pandemia, com segurança, sejam dadas imediatamente a todos os profissionais da saúde. Por ora, pelas suas vidas e de todos nós, chamamos a sociedade a abraçar fortemente a campanha “Cuidar de quem cuida”, junto a Associação dos Docentes da Universidade Federal de Mato Grosso (Adufmat-Sind) e demais entidades que atuam em defesa dos trabalhadores.   

É preciso ter consciência do que os profissionais da saúde e o próprio SUS representam e defendê-los com todas as forças. Essa retribuição ainda será inferior ao que fazem por nós, arriscando suas vidas todos os dias. 

Ao final dessa tormenta, a sociedade deverá mais do que palmas e homenagens. Nossa dívida será a defesa intransigente da saúde pública, dos serviços públicos, dos profissionais da saúde. Estaremos devendo a defesa de seus empregos, de salários dignos e das garantias de todas as condições de trabalho para o melhor atendimento à população. Teremos o compromisso irrevogável de exigir cada vez mais investimento no SUS e nos seus profissionais, agora e sempre. 

Cuidar de quem cuida: é pela vida delas, pelas nossas vidas e de toda a sociedade. 

 

*Rosa Lúcia Rocha Ribeiro é enfermeira e professora da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT).

 

Referências:
1. Wermelinger M, Machado MH, Tavares MFL, Oliveira ES, Moysés NMN, Ferraz W. A Feminilização do Mercado de Trabalho em Saúde no Brasil.  Divulgação em Saúde para Debate, Rio de Janeiro, n. 45, p. 54-70, maio 2010.

 


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