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24/03/2020 14:12

Cai a ponte, mas o livro sai! Por Luiz Renato Souza Pinto

Abrasabarca, coletivo de mulheres que escrevem a história da palavra; de suas palavras que se voltam para outro lugar que não a frase – a fase demarcada pelo verbo – era o início. Acabo de ler “revoluta”, primeiro dos quatro exemplares da Caiaponte que me chega neste carnaval. Livro com cara de manifesto, de vômito resultante de uma intoxicação, característico de falta de estômago para o que está por aí.“É disso que precisamos: dos adensamentos das vozes, dos sons do abraço e da brasa quente construindo com o seu sopro uma revolta sempre renascida” (SCHERER, 2019, p. 7). Há muito, desde sempre, que as mulheres têm o que dizer.

A palavra - sempre ela. “Papel, tinta e palavras? Tem de sobra” (LEITE’, 2020, p. 7). Em seu livro de contos, Caio Leite traz histórias de dias comuns, nas quais “A primeira impressão é a que nos engana mais, depois ficamos mais atentos” (idem, p. 14). Mas atentos a que? Ao discurso de bruxas de quem “pego da vassoura e jogo pra fora o resto de destino das pessoas que ali passaram” (idem, p. 22).Em “Seu Vicente”, o resultado da velhice desfuncionalizada nos atira a imagem do despreparo para a vida. “Seu Vicente batia palma devagar, comia um pouco do bolo, e antes que a moça voltasse de ter arrumado a cozinha, ele já se assustava novamente com a sua presença. O presente sem quem o estanque” (idem, p. 25).

Parece haver um contraponto nos maniqueísmos propostos em vários contos. “Numa cruz há mais de dois mil anos dois ladrões foram pregados. Um bom e um mau. Por não sabermos qual era qual, nenhum foi ressuscitado” (idem, p. 44). É o que me faz parecer como estrutural o título de um dos contos: “Duplo Foco”. O vai e vem das marés, a duplicidade de sentido que caracteriza o texto literário, “A mania que tudo tem de se recriar. Secular. Circular” (idem, p. 45). Não se trata apenas de bruxaria, ou de misticismo. “De cima da mesa da sala puxou uma carta do baralho. A roda da fortuna. Sorriu. Saiu feliz. Os livros debaixo do braço. A carta seguinte, o enforcado. Nenhuma carta poderia mudar os acontecimentos depois de contados” (idem, p. 51). E o outro lado da moeda, o segundo foco, também dá o seu recado: “Como todo bem traz um mal na face avessa da medalha, também havia nesse viver um quê de perdição” (idem, p. 53). As cartas não mentem (?!).

Ela gosta de cinema; de livro; de parágrafo; de palavra. A narrativa de Telma Scherer é repleta de desejos. Talvez porque “também sou a mulher, a voz, a lavadeira, a Dulcineia e a sereia. Mas não corto nem cordões umbilicais, e nem filmes, eu só corto palavras” (SCHERER, 2019a, p. 32). Que conjunto de arquétipos: a mulher, decomposta em voz, que traz o lugar de fala da lavadeira, de Dulcineia, elemento dantesco somado à sereia de todos os mares. O texto fluido de “lugares ogros” brinca com as construções frásicas, até porque “Naquela época, eu achava o máximo ir tão a fundo. Fosse em um parágrafo, fosse em uma pessoa, eu fazia uma análise vertical” (idem, p. 38).

Termino a leitura embalado pelo segredo do envelope, aquele anunciado em prólogo que cativa a atenção para a leitura. Não há, ao fim da linha, nada além de tanto, entre, quase, peso, um sem número, o lugar; há Jorge e a coincidência; alguns números romanos, o entrelugar e um sim; uma saída à esquerda, [que] o peso das coisas oprime. “Mas gosto de pensar que, se não finjo por profissão, se não sou atriz, pelo menos eu posso fingir com as palavras. Com as palavras sim, sem nem caras e bocas” (idem, p. 58).

Marcelo Labes, além de poeta premiado e excelente prosador (estreia em grande estilo com paraíso-paraguay) é um jovem editor que começa muito bem em ano de muita crise. Pois que venham muitos livros, sem que para isso a ponte caia.

REFERÊNCIAS

LEITE, Caio Augusto. terra trêmula. Caiaponte: Florianópolis, 2020.

SCHERER, Telma. Com palavra se faz fogo. In: revoluta; Caiaponte: Florianópolis, 2019.

______________a. Lugares ogros. Caiaponte: Florianópolis, 2019.


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