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18/08/2020 00:03

Tabajara X Pitiguara por Luiz Renato de Souza Pinto

Tabajara X Pitiguara

Tenho amigos escritores que atuam na Academia Mato-grossense de Letras (AML), organismo que não frequento, mas, por solicitação de meu editor, estive presente na posse de Lorenzo Falcão, não faz muito tempo. Busquei uma maneira de participar sem que precisasse agir oralmente e então surgiu a ideia de uma apresentação silenciosa.

Em determinado momento, a “imortal” (que nos deixou recentemente) Marília Beatriz veio até mim para me apresentar Daniel Munduruku, que entendeu se tratar de uma performance, o que limitou a interação. Daniel, além de autor, é dono da Editora UK’A que tem um catálogo de obras escritas por indígenas, dentre elas “Coração na aldeia, pés no mundo”, de Auritha Tabajara.

A obra traz breve cronologia da poeta, em forma de cordel. Natural do Ceará, Auritha pratica desde a infância esse gênero. No cenário de crescimento do protagonismo indígena, seu nome se junta aos de Márcia Kambeba, Daniel Munduruku, Eliane Potiguara, Graça Graúna entre outros, em catálogos de várias editoras. A representação indígena, pelo olhar do branco tem seu contraponto legítimo, sob a alcunha de literatura nativa, não indígena, ou mesmo indigenista.

 

A ideia de que os brancos europeus podiam sair colonizando o resto do mundo estava sustentada na premissa de que havia uma humanidade esclarecida que precisava ir ao encontro da humanidade obscurecida, trazendo-a para essa luz incrível. (KRENAK, 2019, P. 11).

 

A ambição de retratar em três tempos o processo de colonização português em nosso território fez de Alencar um pesquisador a serviço de determinada ideologia. Entre 1857 (“O Guarani”) e 1874 (“Ubirajara”), publicou sua trilogia, da qual “Iracema” é o segundo, de 1865, obra em que o

 

seu “Argumento Histórico” lembra que a obra não é fruto da imaginação, pois refere nomes, datas, factos e espaços reais: a primeira expedição ao Ceará, da qual participa Martim Soares Moreno, que deu origem à personagem Martim, é de 1603. Também os anos de 1608 e 1611, datas-marcos na colonização, são referidos. O texto do romance, no entanto, ao contrário do que sucede n’O Guarani, que situa em 1604 a existência da casa de D. António de Mariz, não regista nenhuma data, chegando mesmo a adoptar uma contagem do tempo, por luas e sóis. (RIBEIRO, 2011, p. 195-196).

O nacionalismo romântico apresenta uma visão idealizada do indígena, e o faz colocando, sempre, em submissão aos valores eurocêntricos.  A transposição de códigos como o ideal cavalheiresco em suas obras (notadamente em “O Guarani”) é determinante em sua escrita, característica da época, diga-se de passagem.

 

O massacre dos tabajaras, irmãos de Iracema, é feito pelos pitiguaras, seus inimigos e amigos de Martim (no caso, portugueses e franceses, respectivamente). Desloca-se, assim, para uma rivalidade indígena, a rivalidade entre europeus. É o mesmo processo que usaram alguns dos cronistas portugueses para justificarem (sic) o extermínio: os índios recuperáveis e, portanto, amigos, e os indígenas irrecuperáveis, consequentemente inimigos, e que devem ser eliminados.  A passagem de Iracema de um grupo para outro (a tabajara vai morar entre os pitiguaras), operada através do amor por Martim, é assinalada pelo narrador. O facto de mencionar o sentimento de vergonha ajuda a conservar a aura da heroína; (RIBEIRO, 2011, p. 196-197).

 

O contraste observado em “Iracema”sobre o confronto entre as duas tribos tem o intuito de explorar aspectos constitutivos do período colonial. Os pitiguaras eram nativos litorâneos e os tabajaras mais adentrados no território, o que os diferenciou no trato com o branco colonizador.

 

Em Iracema, Alencar desdobrará a ideia da inclusão das lendas indígenas, criando-as ele próprio para explicar topónimos como Mecejana e Porangaba, lagoas onde se banha a “virgem dos lábios de mel” que terá, assim, reforçado o seu protagonismo. (RIBEIRO, 2011, p. 199).

 

Mecejana significa lagoa do abandono e porangaba, vista bonita. Estão presentes no romance e são nomes de cidades do Ceará. Porangaba aparece em uma das gravuras do livro de Auritha, ilustrado com xilogravuras, como nos cordéis tradicionais. Auritha é originária dos tabajaras, como Eliane, uma das pioneiras da literatura escrita por mulheres indígenas, descende dos pitiguaras; e não são inimigas. É preciso se ter clareza de quem o são na defesa e manutenção dos direitos.

 

Os poemas de Auritha

De profunda devoção

Me relembram coisas boas

Que trago no coração

Isso tudo me faz rir

Mas no fundo, é sério irmão!

 

REFERÊNCIAS

KRENAK, Aílton. Ideias para se adiar o fim do mundo. São Paulo: Companhia das Letras, 2019.

RIBEIRO, Maria Aparecida. PROJECTO E REALIZAÇÃO ÉPICA EM JOSÉ DE ALENCAR.Hist.R., Goiânia, v. 16, n. 1, p. 185-210, jan./jun. 2011

 

 

 

 


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